As paixões não se explicam, sentem-se

Começo por fazer aqui uma prévia advertência: tenho uma ligação familiar com o produtor do vinho a respeito do qual vos irei falar. Admito portanto que quem veja estas linhas suspeite ou desconfie da imparcialidade da minha análise. No entanto, acredito que quem escreve sobre vinhos, nos mais diversos fóruns e sob os diversos suportes, nunca é totalmente imparcial, seja porque conhece o enólogo ou o produtor, seja porque tem uma especial afeição por vinhos de um determinado produtor ou região, etc. Nunca vi nisso motivo para drama. O que para mim é essencial é que quem escreva ou fale sobre vinhos procure expressar a sua opinião do modo o mais honesto possível, descrevendo o melhor que consegue as sensações que certo vinho desperta em si. Foi esse o compromisso que me impus a mim mesmo quando comecei a contribuir para este blog, e é esse compromisso que irei honrar até ao fim.

O vinho de que agora vos escrevo é um típico caso de paixão, desde a primeira vez que o provei. Sabem aquelas paixões que todos tivemos na vida, que nos atormentam e atordoam, mas das quais não conseguimos estar longe por muito tempo? Foi o que me aconteceu logo quando pela primeira vez provei este Mingorra Black, no caso de 2013. 

A primeira e talvez a mais proeminente sensação que este vinho me despertou foi de surpresa, por se tratar de um vinho regional alentejano, ainda para mais produzido na zona de Beja, tradicionalmente quente e nada atreita a vinhos com as características que este Black apresenta. 

À vista, apresenta uma cor muito intensa, quase opaca, sem dúvida fruto da reuniāo das castas que o compõem. Ao Petit Verdot juntou-se uma casta intensa e rubra como é o Sousão, melhor conhecido nas terras nortenhas por Vinhão. 

No aroma a surpresa adensa-se: sobressaem notas bem salientes de fruta preta, muito bem integrada com a madeira, resultando num despertar olfativo muito agradável.

Mas é na boca que a surpresa se converte quase em escândalo. Trata-se de um vinho volumoso e encorpado mas ao mesmo tempo elegante, inicialmente algo duro e seco, mas que logo denota uma acidez e frescura nada fácil de encontrar em vinhos daquelas bandas, certamente reflexo do Sousão, e que termina longa e prazenteiramente, sem nunca agredir os nossos sentidos.

Em suma, este Mingorra Black é um vinho de inegável caráter, claramente “fora da caixa”, no sentido em que apresenta características muito distintas das que habitualmente se encontram em blends alentejanos, o que me leva a crer que, numa prova cega, poucos acertariam no lugar onde é feito.

As paixões são mesmo assim: primeiro supreendem-nos, depois abalam-nos, e finalmente impregnam-se na nossa pele, ao ponto de desejarmos avidamente o reencontro. É exatamente isso que sinto, quando bebo este vinho.

O Fiel Provador


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