Uma moda que veio para ficar


  



De um modo geral, reconheço que sou um tipo desconfiado quanto a modas, incluindo no mundo vinícola.
Não é novidade para ninguém que os vinhos de ânfora, vinhos fermentados e/ou estagiados em potes de barro, voltaram a estar na moda. Paulatinamente, estes vinhos de registo tão clássico quanto natural, elaborados com o recurso a técnicas ancestrais, voltaram a marcar a atualidade, recuperando  práticas milenares, e, sobretudo, resgatando alguns produtores do Alentejo, que encontraram aqui a sua “galinha dos ovos de ouro”.
No meio da euforia generalizada com o ressurgimento e multiplicação deste tipo de vinhos, banalizou-se, desconfio que por questões comerciais ou de puro marketing, o uso da denominação “vinho de talha”, que se tem aplicado indistintamente a qualquer vinho que tenha na sua produção uma ligação mais ou menos direta ao barro, desde o vinho que estagia em ânforas de barro, ao vinho de pequena produção vendido em pequenas talhas de barro.
Ora, uma das coisas que tenho aprendido com os sábios deste mundo, é que não basta surgir algures num rótulo o nome talha, ânfora ou argila, seja de forma mais direta ou mais subtil, para que este se comporte automaticamente como um vinho de talha, ou possa ser considerado como tal. De resto, terá sido justamente para evitar a utilização abusiva do conceito que existe um regulamento que disciplina a utilização da designação “vinho de talha” a vinhos brancos, tintos, rosados ou rosés, segundo o qual, para além da obrigação de impermeabilização das talhas e desengace das uvas, impõe-se que as massas vínicas sejam mantidas dentro da talha pelo menos até 11 de novembro do ano no qual ocorre a vinificação. 
Pensei em tudo isso, antes de iniciar a prova do aclamado “Herdade do Rocim" Clay Aged Branco 2017. O rótulo sugere visivelmente a ligação com a terra, mas o vinho não ostenta a denominação de "vinho de talha", e - justiça lhe seja feita -, o próprio produtor não o elenca como um dos vinhos desse tipo que tem disponíveis para o mercado. Trata-se de um vinho que estagia nove meses em talhas de barro, depois de as uvas previamente selecionadas terem sido pisadas a pé, em lagar de pedra, com a totalidade dos seus engaços e apenas com leveduras indígenas, estagiando por fim em garrafa por mais três meses.
Abstraindo da questão sobre se pode ou não na sua essência ser considerado um verdadeiro vinho de talha, o certo é que este Clay Aged Branco 2017 mostrou-se um vinho com estrutura e complexidade, que me chamou a atenção desde logo pela sua cor “curtimentada”, e pelas notas algo surpreendentes de mineralidade (pedra molhada) que apresentava no nariz, porventura fruto do Alvarinho, uma das castas que o compõe, juntamente com o Verdelho e o Viosinho. Na boca apresentou uma boa textura e frescura quanto baste, com um final longo e delicado. Dadas as suas características, é um vinho que perde rapidamente alguma da sua singularidade à medida que vai aquecendo no copo, pelo que se deverá ter o cuidado de não o servir a uma temperatura superior a 14 graus. 
Em suma, trata-se de um vinho muito particular, claramente feito para um nicho de mercado, que valoriza sobremaneira vinhos com mais limpidez e menos artificialidade, e que teve ao menos o condão de me fazer encarar com menos desconfiança esta moda, que pelos vistos veio para ficar. 

O Fiel Provador 













































































































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